No Brasil, a falta de
leis para proteger e amparar homossexual na juventude reflete no medo que esse
grupo tem de assumir a homossexualidade para a família e a sociedade
João Barbosa e Isabella Naves
Segundo dados
divulgados pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2011 foram denunciadas
6.809 violações de direitos humanos contra lesbicas, gays, bissexuais e travestis
(LGBT). Os estados com maior incidência foram São Paulo (1.110), Minas Gerais
(563) e Rio de Janeiro (518). Goiás ocupou uma das últimas posições, com 137 violações. Dentre as vítimas 67,5% são homens, 26,4%
mulheres e 47,1% tinham entre 15 e 29 anos. Ou seja, em quase metade das denúncias, as vítimas são jovens e fazem parte de um grupo que possui menos
auxílio específico, pois existem no Brasil diversas Organizações Não
Governamentais (ONGs) que protegem e ajudam pessoas que sofrem de com a
homofobia, mas as que são exclusivas para jovens são escassas.
São inúmeros os casos dos jovens
que sofrem problemas ao ter que lidar sozinhos com a rejeição familiar, social
e até com o próprio preconceito. Muitos deles escondem a homossexualidade da
sociedade e principalmente da família, por isso, os nomes adotados nesta
reportagem são fictícios. Com o teleoperador Rafael de Souza não foi diferente.
Ele teve grande dificuldade para entender o que realmente estava acontecendo.
“No início, pensei que fosse apenas uma fase e que poderia controlar meus
‘instintos’, mas quando percebi que não, foi frustrante.” O que fez com que
Rafael ficasse mais preocupado foi saber que iria decepcionar a sua família.
“Todas as expectativas que meus pais tinham para mim foram por água abaixo”.
A atriz e
produtora Luiza Soares, de 20 anos, passou por situações um pouco mais
complicadas. “Eu namorei escondida da minha família por dois meses, até a minha
mãe me seguir e descobrir tudo.” A jovem, que na época tinha completado 18
anos, foi agredida pela mãe e também expulsa de casa. “Fiquei totalmente
desamparada. Eu e minha mãe sempre fomos muito próximas. Eu jamais esperava uma
reação dessas, até porque minha mãe nunca teve problemas com meus amigos gays.”
Após ser expulsa de casa, Luiza foi morar com o pai, que aceitava melhor sua condição
sexual, até conseguir estabilidade financeira para se sustentar. Hoje ela mora
com a companheira e também atriz Julia Guerra, de 27 anos, mas a relação das
duas ainda não foi aceita pela mãe de Luiza.
O ator Carlos
Silva, de 17 anos, também teve que sair de casa impulsionado pelo preconceito
da família. “Fui criado pelos meus avós no interior, num ambiente totalmente
religioso e homofóbico, por isso, assim que tive chance, me mudei para Goiânia.”
Segundo Carlos, foi só com essa mudança que as coisas vieram a melhorar.
“Goiânia abriu novas portas para mim, apesar de já ter sofrido preconceito
aqui, nada se iguala ao que eu passava com minha família”.
Mas nem sempre
as coisas são tão complicadas. O teleoperador Fernando Batista, 24 anos, tem a
aceitação de sua homossexualidade por toda a família. “Quanto contei para meus
pais, minha mãe foi a única que reagiu de forma negativa, mas, após alguns
meses, e com o apoio dos meus irmãos, nossa relação voltou ao normal.” Hoje
Rodrigo tem total liberdade de levar o namorado à casa de seus pais. “O levo até nas festas de família, ninguém
nunca criou problemas”.
Legislação
homossexual
Desde a Grécia
antiga há registros de casos de homossexualidade, mas somente na década de 1980
esse grupo chamou a atenção mundial. Esse reconhecimento não surgiu de forma
positiva, pois foi motivado pela epidemia de AIDS que se iniciou em meados
daquela década. Com a falta de amparo legal para a união entre pessoas do mesmo
sexo, quando um casal era afetado pelo vírus, o sobrevivente não era reconhecido
judicialmente. Nesse cenário que as primeiras leis tratando da homossexualidade
foram criadas em países como Dinamarca, Noruega e Suécia. Foi também nessa
época que surgiram os primeiros movimentos LGBT que focavam na igualdade de
direitos entre homossexuais e heterossexuais.
Hoje,
apesar dessas lutas ainda existirem no mundo todo, a situação do homossexual em
alguns países melhorou bastante, como é o caso do Canadá, Portugal, Argentina e
alguns Estados nos EUA, que possuem leis que criminalizam a homofobia e
permitem a união entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil, apesar de existir a união
estável homoafetiva e até o casamento entre pessoas do mesmo sexo no estado de
Alagoas e recentemente também o estado de São Paulo, a homofobia ainda não é
considerada um crime específico. A homofobia só é condenada no Brasil se for
enquadrada como crime de ódio e, de forma genérica, pela Constituição de 1988,
que condena qualquer tipo de preconceito.
Segundo
a advogada e professora Ana Paula Félix, especialista em Direito Familiar, o
maior problema nas discussões sobre homossexualidade no Brasil é a falta de
amparo legal para o jovem que está descobrindo a sua sexualidade. “Dependendo
da idade do jovem é possível ele ser apoiado pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), mas não existe nada especifico para a proteção do jovem
homossexual, que se encontra numa fase de descobertas, gerando dúvidas,
incertezas e preocupações. É necessário um trabalho de cuidado e proteção
legal.” Além disso, Ana Paula afirma que deve haver também amparo no âmbito
familiar e social, “para que o jovem não cresça e se torne um adulto problemático
e inseguro, que acha que deve esconder a sua condição da família e da sociedade”.
Atualmente
está em discussão na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal o Projeto
de Lei 122/2006, conhecido como PL 122, que propõe a criminalização dos
preconceitos pela condição homossexual e pela identidade de gênero. Apesar de
ter sido criado em 2006, o projeto de lei sofre, desde a sua criação, a pressão
da bancada evangélica do Senado Federal que alega que a proposta fere a
liberdade religiosa de expressão por prever até cinco anos de cadeia para quem
criticar publicamente a homossexualidade.
Comissão
de Direitos Humanos
Recentemente
foi eleito para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM)
da Câmara dos Deputados do Brasil o deputado e pastor da igreja Assembleia de
Deus Marco Feliciano (PSC - SP). A eleição do deputado causou grande polêmica e
revolta no país, pois Marco Feliciano é conhecido por suas declarações
controversas de cunho racista e homofóbico. Essas declarações motivaram
varias ONGs, artistas, políticos e até mesmo grupos religiosos a organizarem
protestos para tentar tirar o parlamentar da presidência da comissão.
Para
o jornalista e consultor em direitos humanos Liorcino Mendes, os atuais
parlamentares não estão preparados para responder as necessidades da população
brasileira. “A eleição do pastor Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos
demonstra que a atual bancada de parlamentares federais não está ‘antenada’
para as verdadeiras necessidades da população brasileira, especialmente com os
direitos humanos.” Para Mendes, o Brasil precisa de uma reforma política, “reduzindo
o número excessivo de partidos de aluguel, garantindo o financiamento público
de campanha e dando maiores poderes à população que os elegeu”.
Mesmo
enfrentando protestos em todo exigindo a saída do parlamentar da CDHM, Feliciano
afirma que não deixará o cargo. Em uma recente entrevista dada a um jornal paulista,
o deputado afirma não ser homofóbico e sim um pastor que segue o que está
escrito na Bíblia. Ela “é contrária à prática homossexual”.
Em
resposta à nomeação de pastor, um grupo de deputados criou a Frente Parlamentar
em Defesa dos Direitos Humanos, que é um espaço político para assegurar a
discussão de temas ligados à diversidade e às minorias, baseando-se nos
movimentos sociais e nas populações historicamente excluídas. Segundo os
parlamentares que fizeram parte da iniciativa, muitos deles membros da CDHM, a
nomeação de Feliciano não permitirá que a Comissão de Direitos Humanos possa
exercer corretamente o seu papel.
Ser-tão
O
Ser-tão, é um núcleo de estudos e pesquisas em gênero e sexualidade vinculado à
Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás. Criado no fim
de 2006 e em atuação até hoje, o núcleo tem como missão a produção de pesquisas
e conhecimentos voltados à divulgação e promoção dos direitos sexuais e de
gênero. Algumas pesquisas realizadas pelo núcleo são:
o
Mercado GLS: pesquisa sobre
a dinâmica e o surgimento de lazer e sociabilidade GLS na cidade de Goiânia;
o
Movimento LGBT: análise da
história e da dinâmica de atuação dos movimentos LGBT no estado de Goiás;
o
Políticas
Públicas para População LGBT: mapear as políticas públicas
governamentais voltadas para o público LGBT;
o
Políticas
Culturais LBGT:
mapeamento das propostas de ações que envolvem a chamada cultura LGBT e
políticas culturais LGBT desenvolvidas no estado de Goiás.
PS: Reportagem produzida na aula de Redação Jornalística II para o jornal laboratório da PUC-GO.
Nenhum comentário:
Postar um comentário